De todos os
lados vejo olhos de bocas a me olharem e a
falarem de mim. Todos olhando e
esperando, com olhos luminosos e
febris como corujas empoleiradas de noite, nos galhos
de árvores, e com línguas aceleradas de maritacas presas em gaiolas
apertadas. Todos
olhando e falando...
De todos os lados
vejo mãos estendidas e dedos me apontando. Todos sequiosos por
me enquadrar no exército automático e me oferecer uma
aliança de chumbo. Todos ansiosos por me
dar uma cadeira com correias, uma mesa
de papeis e um escritório com grades.
Mas não serei
capturado assim. Tenho o solene
compromisso com a arte, de me evadir por
entre esses dedos ameaçadores, essas mãos crispadas; de fugir dos uivos
estentóricos dessa turba amorfa, bailarinos do
cotidiano-comum, num salão-comum, numa
cidade-comum.
Homens de vida
anêmica, de amor parcimonioso, de escritórios
abafados e de respiração pesada. Homens de oito horas
de serviço diário, de jornal à tarde, de televisão à noite, com a infalível
novela diária; homens dos
escritórios e das fábricas, homens dos bancos e
dos empregos públicos, homens cansados,
estragados e gastos, como as solas de seus
sapatos surrados, com sua roupa
desbotada, igual nos dias da semana árdua, eu lhes
peço:
Não me constranjam a
me perdem em seu rodamoinho suicida! Não me obriguem a
morar em seu ataúde de gelo e a ser enterrado vivo na sua tumba de areia
insípida.