As sombras
devoram a noite
E esterilizam
os sonhos.
Cidade grande.
O concreto
Veda o sol e
esconde a lua.
A pedra, o
piche e o alcatrão
Sufocam o solo e as raízes.
Nada de novo,
estou só.
Nada de novo,
resisto.
Nada de novo,
adivinho
Em cada olhar
um abafo
Em cada rua tensão.
Caminho
contrário aos ventos
Pelo asfalto seco e duro.
No caminho há
uma rua,
Nesta rua há
cem postes.
Em cada poste
há um ônibus
E funciona o seu
motor.
Cada ônibus
transporta
Setenta e
quatro pessoas.
Para onde
vamos todos?
E depois, para
onde vamos?
Em cada cabeça
um cérebro,
Que pensa, sente e resiste.
Nada do que se
criou
É tão lindo
como o mar,
Como as areias
balsâmicas
amenizantes do tédio.
Mas por aqui
não há mar.
Sem amar e com
concreto
Melhor um tiro
no crânio,
Melhor um silêncio só.
No centro
existe uma rua,
Nesta rua,
vinte bancos.
Vinte gerentes
gerindo
Papel de fazer vazio.
Nesta rua
passa gente
Que não sabe por
que vive
Alma e coração
de ferro
Que não sabem
por que pulsam,
Automáticos
viventes
Que ainda não
calcularam
O valor de inexistir.
Concreto,
cimento insípido,
Sem cheiro,
disforme, frio,
De nada vale
existires
Se sepultas
nas paredes
Todo o alento,
todo o apelo
Que a vida,
teimosa, esboça
Pela garganta exaurida.
Amanhece mais
um dia,
E o sangue
move de novo
Bilhões de
corpos que acordam
Sacudindo o pó da noite.
Pelo mundo,
gente que se agarra a mitos,
Fabrica
esperanças e se ludibria,
Enganando o tédio para não morrer.
Nada
diferente, só concreto e ferro.
Nada de
esperança, só matéria e gelo
E o que prolifera nesta terra árida.
Agarra teus
sonhos se tu fores sábio
E nunca
permitas que eles vão embora.
Se quiseres calma, vive de ilusões
Nutre teus
engodos e não penses nunca,
Pois, pensar um pouco é querer ser Nada.
Concreto
deprimente, espesso, glacial,
Que a maldição
do sol, dos ventos e das chuvas
Recaia sobre
ti, rebento mal gerado.
Eu quero
gargalhar no dia do teu fim,
Dançar sobre
teu pó, cuspir em teus escombros,
Árvore intrusa, impura e de semente estéril.
São Paulo 1967